DIVÓRCIO – EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010
Recentemente, uma emenda á Constituição Federal, precisamente no artigo 226, § 6º, causou reboliço no cenário jurídico brasileiro, em virtude da alteração do dispositivo que antes disciplinava a dissolução do casamento pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. Com a nova redação dada pela Emenda Constitucional 66/2010, simplesmente, restou assentado que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, afastando-se a questão do lapso temporal. Nada mais disse, dando margem á toda sorte de interpretações. Buscaremos apresentar algumas delas, apenas para exemplificar.
Restou claro que o prazo de separação de fato para decretação do divórcio virou coisa do passado, facililitando a vida dos casais que pretendem reorganizar suas vidas da maneira mais célere possível, porquanto não precisarão aguardar referidos lapsos temporais. Ou seja, para, de forma consensual, por fim ao matrimônio, inexiste necessidade de comprovar a separação de fato por qualquer prazo, menos por “testemunhas”. Divorcia-se, judicialmente ou não. E pronto.
Este é entendimento praticamente dominante, embora algumas vozes, respeitosas, sustentem a “inconstitucionalidade” por se tratar de matéria de lei ordinária. Ouso ponderar que quando o texto falou em prazo, nos idos de 1988, esta polêmica inexistiu. E o Código Civil apenas repetiu a Carta Magna. E não poderia mudar a lei ordinária sem alterar a Maior porque, aí sim, haveria inconstitucionalidade. Que a Carta da República trata de temas que deveriam ser abordados de outra forma é matéria consolidada, mas foi opção do Constituinte. Cumpra-se.
Muito embora a Emenda Constitucional 66/2010 tenha esclarecido que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, o fato é que sempre foi assim, pois este tem o condão de dissolver o casamento, tanto que o artigo 1.576, CC, determina que a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime de bens, sendo permitida o restabelecimento da sociedade conjugal, consoante o disposto no art. 1.577, CC.
Então, diante da nova disposição constitucional restou a celeuma sobre o fim do lapso temporal e o fim da separação judicial, já que existe regulamentação acerca do prazo e da separação judicial, conforme se extrai da leitura do Código Civil. Ou seja, estabeleceu-se uma antinomia jurídica, mas que pode ser facilmente ressolvida pelos critérios de resolução de antinomia.
Apenas esclarecendo, a palavra antinomia deriva do grego, anti (oposição) e nomos (norma), traduzindo-se em contradição de duas ou mais normas, sendo a antinomia jurídica um conflito entre normas jurídicas, havendo dúvida quanto á aplicação da norma a ser aplicada ao caso concreto, encontra-se a solução com a aplicação do critério hierárquico, cronológico e especialidade.
Por conseguinte, o critério hierárquico dispõe que a norma superior revoga a inferior, baseando-se na superioridade de uma fonte de produção, cujo norte é a pirâmide traçada por Kelsen, sendo a lei maior a Constituição Federal, norma supralegal prevalente sobre as demais leis, as quais lhe devem obediência e compatibilidade vertical, sob pena de inconstitucionalidade (Lex superior derogat legi inferiori).
O critério cronológico eludica que a norma posterior revoga a anterior, de modo que havendo duas normas incompatíveis prevalece a norma posterior, porquanto determina o artigo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, uma lei terá vigência até que outra a modifique ou a revogue (lex superior derogat legi inferiori).
Ademais, quanto ao critério da especialidade sucede que a norma especial revoga a norma geral, prevalecendo aquele na solução do caso concreto, pois a norma especial tratou com mais cuidado o tema, dispondo pormenorizadamente acerca da regulamentação (Lex specialis derogat legi generali).
Com base nos mencionados critérios, indubitável que entre a norma contida na Emenda Constitucional 66/2010 e as normas contidas no Código Civil sobre o mesmo tema formam um conflito aparente de normas, tratando-se aquela de norma superior, posterior e geral, estas de normas inferiores, anteriores e especial frente á Constituição Federal, geral frente á legislação especial.
Nesse diapasão, na solução da antinomia com a aplicação dos critérios estabelecidos, a Emenda Constitucional 66/2010 prevalece sobre o Código Civil pelo critério hierárquico, pois é norma constitucional com caráter supralegal, enquanto o Código Civil é lei ordinária, estando abaixo da Constiuição na pirâmide vertical estabelecida por Kelsen, de modo que jamais uma norma inferior poderá prevalecer sobre a Constitução Federal, norma superior.
Também, quanto ao critério cronológio prevalece a Emenda Constitucional 66/2010, porquanto ingressou no ordenamento jurídico brasileiro após as normas contidas no Código Civil, veja que este teve sua vigência iniciada em 01/2003.
Nesse sentido, aplica-se ao caso em comento a regra do artigo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, “...uma lei terá vigência até que outra a modifique ou a revogue”. Ou seja, se a EC 66/2010 suprimiu o lapso temporal, então não há que falar em prevalência do prazo estatuído no Código Civil, seja pelo critério hierárquico seja pelo critério cronológico.
Por fim, quanto ao critério da especialidade, embora o Código Civil seja especial em relação á Constituição Federal, o fato é que referido critério não prevalece sobre o hierárquico, devendo, obrigatoriamente, ser aplicado, porque as normas constitucionais têm caráter supralegal, não se submetendo ás normas inferiores ainda que de caráter especial, sob pena de gerar insegurança jurídica.
Sendo assim, pelos critérios hierárquico e cronológico, a EC 66/2010, porque norma constitucional superior e posterior ao Código Civil, norma inferior e anterior, podemos concluir que não há mais necessidade de prova do lapso temporal de separação de fato para dissolução do casamento pelo divórcio ou pela conversão da separação em divórcio.
Contudo, na doutrina há quem afirme deva ser respeitado o prazo de duração do casamento por mais de um ano, consoante o disposto no artigo 1.574, do Código Civil, uma vez que referido prazo não teria sido suprimido, condição “sine qua non” para que os casais possam optar, diretamente, pelo divórcio consensual. Sem embargo destas doutas vozes, com elas não comungo. A intenção do legislador foi simplificar e em determinadas situações deve atentar-se mais ao fim que ao texto em si. A interpretação meramente gramatical nem sempre é a melhor. Lembre-se que o legislador, literalmente, “atropelou” o Código Civil.
Quanto ao instituto da separação judicial, há uma zona cinzenta e polêmica a dizer se foi extinto tacitamente com a reforma ou não. Com efeito, somente o divórcio pode dissolver o casamento e a separação judicial põe fim aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e regime de bens, não dissolvendo o vínculo; assim, para muitos não teria sido abolida, mas, certamente, ficaria sem sentido em maior ou menor grau. Muito embora meu pensamento seja pela aplicação do divórcio, sem restrições, onde antes cabível a separação, dando-se esta por extinta, reconheço que a maioria, dividida em inúmeras correntes, ainda admite a coexistência de ambos os Institutos.
Ademais, para muitos doutrinadores, abriu-se precedente para possibilidade de Divórcio Litigioso, sem necessidade de separação judicial, especialmente, nos casos em que há o afastamento do cônjuge do lar conjugal, por meio de medida liminar de separação de corpos, podendo optar pela dissolução do vínculo com a discussão da culpa do outro, afastado do lar por determinação judicial. Isto significa trazer o Divórcio a noção de “culpa” antes inexistente porque apenas cogitava de prazo de separação “de fato”.
Então, a separação judicial, amigável ou litigiosa, em maior ou menor grau, a depender do ponto de vista, perdeu seu sentido prático, pois era usada para romper os principais efeitos do casamento, pois não era aconselhável a espera pela separação de fato pelo período de 2 (dois), notadamente, nos casos em que havia relevante disputas de bens, permitindo-se, agora, ao ver de muitos, a dissolução direta do matrimônio pelo divórcio.
Não obstante o explanado, ilustres juristas afirmam que ainda persiste útil a separação de fato constante do artigo 1.572, § 1º, do Código Civil, havendo necessidade da ruptura da vida em comum por mais de um ano e impossibilidade de sua reconstituição, não havendo discussão de culpa nesta separação, mas, tão-somente, prova dos dois requisitos: lapso temporal e impossibilidade de reconstituição.
Assim se dá, porque muitos são os casos concretos vivenciados na sociedade, sendo, facilmente, aplicada á queles casos de desaparecimento de um dos cônjuges, ficando o outro sem contato e alheio ao paradeiro do consorte, não podendo ser prejudicado com a imposição dos deveres do casamento, merecendo proteção legal para que seja afastado o dever de fidelidade recíproca, notadamente, regime de bens, haja vista que não se discute culpa, tampouco é amigável, podendo requerer a conversão desta separação em divórcio, dissolvendo-se o vínculo.
Estas são breves considerações acerca da Emenda Constitucional 66/2010, frente ao Código Civil e á separação judicial, mas sem esgotar o tema, pois está sendo alvo de estudos, críticas e sugestões por diversos doutrinadores e, notadamente, será objeto de análise pelos Tribunais, trazendo novas nuances ao tema.
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