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GARANTIDORAS DA QUOTA CONDOMINIAL

As empresas “garantidoras” de crédito assumem o recebimento das quotas condominiais e repassam ao Condomínio o valor integral, ainda que exista inadimplência, mediante uma taxa de deságio, desconto/percentual, cobrando diretamente os inadimplentes, extrajudicial e judicial, conforme definido em contrato. Ocorre então antecipação dos valores referentes aos inadimplentes, “evitando” a conhecida morosidade do Judiciário. Por ser titular do crédito, normalmente o Condomínio o cede para a garantidora, permitindo efetue cobrança em nome do Prédio, como mandatária, na forma do art. 653 e ss. do Código Civil ou mesmo próprio, em caso de cessão de crédito, art. 286 do CC.

 

Fica a dúvida nessa última hipótese se a obrigação continua tendo natureza “propter rem” e a unidade inadimplente frente ao Condomínio, com todas as consequências oriundas desta condição ou se haverá novação, com outra obrigação pessoal substituindo a anterior (art. 360 CC), caso em que haverá ainda maior dificuldade no recebimento por meios legais.

 

Existe um debate sobre o tema. De um lado, há precedente no sentido de que o crédito poderia perder sua natureza ambulatorial, o que dificulta a satisfação, uma vez que “não se transmite ao cessionário os direitos acessórios indissociáveis da pessoa do cedente, decorrentes de sua condição personalíssima, salvo, naturalmente, se o cessionário detiver a mesma condição pessoal do cedente” (REsp 1.526.092/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/3/2016). De outra banda, há entendimento de que a cessão não afeta a natureza do crédito condominial, pois “ao efetuarem o pagamento das cotas condominiais inadimplidas, sub-rogam-se na mesma posição do condomínio cedente, com todas as prerrogativas legais a ele conferidas” (REsp 1.570.452, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020).

 

Para optar pelo serviço das garantidoras é necessária aprovação assemblear específica, observada a Convenção, ou, se silente, recomendável no mínimo dois terços dos presentes. Muito embora na propaganda apareça como algo “imperdível”, há riscos envolvidos, seja a cobrança em nome da empresa, seja em nome do Condomínio. Dado o verdadeiro “terror” da inadimplência, um “pesadelo” para Síndicos e administradoras, esse negócio altamente atrativo e vantajoso (notadamente para as empresas envolvidas), exige redobrada cautela.

 

Pode haver discussão judicial envolvendo cláusulas quando da resolução do contrato, como exemplo no processo n.º 1006013-37.2020.8.26.0506, perante o E. Tribunal de Justiça de São Paulo. Neste, tendo incorrido em denúncia contratual tempestiva pelo Condomínio, sem justa causa, a empresa ajuizou demanda buscando a restituição dos valores referente às unidades condominiais as quais foram antecipadas as taxas em razão do contrato.

 

Em sua defesa o condomínio mencionou, entre outros fundamentos, que não seria parte legitima para responder pelos débitos em atraso diante da previsão da sub-rogação convencional dos direitos creditórios e que o Condomínio não poderia efetuar diretamente a cobrança dos condôminos. Além disso, que não haveria comprovação de que a empresa realizou as cobranças necessárias, extrajudicial ou judicialmente dos inadimplentes, cuja incumbência lhe cabia contratualmente, o que poderia ensejar recebimento em duplicidade do suposto débito.

 

O julgamento pela r. sentença deste processo supracitado foi no sentido de que “em princípio, não há que se falar em sub-rogação da embargada no crédito do embargante durante o período de normalidade contratual. Entretanto, pactuaram as partes, expressamente, que em caso de rescisão do contrato ficaria a garantidora sub-rogada nos direitos do condomínio correspondentes aos valores já adiantados.”

 

E, “tendo ocorrido a rescisão do contrato celebrado entre as partes por iniciativa do condomínio embargante em setembro de 2009, fato incontroverso nos autos e devidamente corroborado pelo documento de fls. 101, operou-se a sub-rogação da empresa embargante nos créditos do condomínio frente aos condôminos cujos valores já haviam sido adiantados pela garantidora, na exata forma do dispositivo contratual acima transcrito.”

 

Fundamenta que se trata de “sub-rogação convencional do crédito, na forma do art. 347, I, do Código Civil, tendo o condomínio credor recebido da terceira garantidora o pagamento das quantias devida pelos condôminos inadimplentes a título de adiantamento, transferindo com a resolução do contrato os próprios créditos, com seus regulares acréscimos, em razão do quanto expressamente contratado. Nesse contexto, não há como se admitir a pretensão veiculada pela embargada através da ação monitória, movida no intuito de cobrar do condomínio o valor que lhe é devido, em razão da sub-rogação, pelos condôminos. Ora, uma vez rescindido o contrato e operada a sub-rogação, incumbiria à empresa sub-rogada tomar as medidas assecuratórias de seu crédito e a devida comunicação aos efetivos devedores, observado o disposto pelo art. 348 do Código Civil e as disposições atinentes à cessão de crédito, aplicáveis à hipótese”.

 

Em segundo grau se manteve a conclusão, salientando-se que haveria redação de cláusula ambígua para o caso de rescisão contratual e que “raciocinar nos moldes pretendidos pela autora [garantidora] significaria, inclusive, chancelar odiosa cláusula penal, permitindo que a parte tanto reivindique os valores adiantados ao condomínio como se sub-rogue nos direitos creditícios, em verdadeira violação ao óbice imposto pelo art. 412 do CC2 que, obviamente, não merece subsistir. Na hipótese, se a autora não sopesou adequadamente os riscos da contratação e não promoveu oportunamente o necessário para satisfazer os créditos que lhe foram repassados, descabe-lhe criar alternativa juridicamente insustentável visando minimizar os prejuízos suportados com a contratação”. Ao final, prestigiou-se princípios do Código Civil (artigos 421, 422, 884, 112 e 113, caput, III a V).

 

Há responsabilidade do Síndico por cobrar os condôminos (art. 1348 VII, Código Civil). Embora haja autorização para transferir para terceirizada essa função, tal não o exime da responsabilidade decorrente desta conduta. A controvérsia levada ao Judiciário por uma rescisão contratual entre empresa garantidora e condomínio, mesmo sem justa causa, podem gerar discussões cuja conclusão não é previsível, a depender do ajuste contratual e do juízo de valor que se fará o julgador observando-se a legislação competente.

 

Portanto, indispensável prévia e rigorosa avaliação do contrato, dos critérios e condições propostas, idoneidade da empresa, tempo de duração e causas de rescisão, algo que apenas um advogado competente poderá fazer, evitando-se, inclusive, utilizar o da administradora pelas razões já aduzidas em outro artigo. Com efeito, pode haver em tese obrigações pactuadas que não seriam interessantes ao Condomínio, mas altamente prejudiciais, “amarrando” o Prédio à empresa ou gerando a este, enquanto mandante, responsabilidade por eventuais condutais ilegais nas cobranças, inclusive se responsabilizando houver infração às normas tributárias supostamente envolvidas na transação e/ou insucesso no recebimento.

 

Envolve operação financeira de modo que esta deve ser autorizada pelo Banco Central (art. 1.º da Lei n.º 7.492/86), de modo que eventual fraude tributária acarreta responsabilidade solidária do sindico em relação aos tributos. Recomendável que eventual disposição de crédito que importe obrigação do Condomínio seja precedida de análise por um advogado para que sejam deliberadas em assembleia.

 

Além disso, se mostra importante pesquisar a fundo se a empresa está relacionada ao sistema financeiro nacional, com cadastro no Banco Central, se é cadastrada na CVM, como seu modo de agir, o que está envolvido na contratação dos serviços, a solvência e seu comportamento no mercado, como cumprimento de suas obrigações. Não se pode perder de vista que no mercado quanto maior o benefício oferecido maior o risco envolvido. Empresas “surgem” e “desaparecem”. E com ela pode ir toda a receita de muitos Condomínios que ficariam, literalmente, a “ver navios”, para dizer o mínimo.

 

Na verdade, o que “garante” a solvência do Condomínio é uma administração honesta e competente, com Síndicos (ou alguém por eles) participativos, com a necessária assessoria jurídica que seja eficiente e conheça a fundo o direito de todo geral. Não é tarefa para amadores. Existem caminhos legais que nem todos conhecem. Para tanto, eficiente profissional do direito poderá facilitar em muito a vida condominial, tornando-a justa e perfeita como deve ser.

Fonte: LEOPOLDO ELIZIÁRIO DOMINGUES


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