O “golpe” ocorre quando, após falsas orientações, supostamente de financeira, com a qual vítima possui algum vínculo comercial, motoboy comparece ao endereço da parte e consegue cartão bancário, podendo, a partir de então, realizar movimentações sem que estas fossem autorizadas pelo titular.
Em sua grande maioria atingidas pessoas vulneráveis, sem familiaridade com o ambiente digital, conforme pesquisa aponta (https://www.serasa.com.br/premium/blog/golpe-do-falso-motoboy/?gclid=CjwKCAiAzp6eBhByEiwA_gGq5ItxZk3ZD-ojGeAF1ithbkQU_VdbQLsf5kFdg9c35d4xmhCHmNT6choCBEIQAvD_BwE).
Normalmente defesa das instituições para afastar a responsabilidade, entre outros fundamentos, se dá no sentido de que foi o próprio cliente quem deu causa ao fato, ao fornecer seu cartão a terceira pessoa (culpa exclusiva da vítima), logo, não haveria responsabilidade na restituição dos valores.
Todavia, pelo Enunciado n.º 13, do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo de outubro de 2022, este resolve a celeuma no seguinte sentido:
“No “golpe do motoboy”, em caso de fortuito interno, a instituição financeira responde pela indenização por danos materiais quando evidenciada a falha na prestação de serviços, falha na segurança, bem como desrespeito ao perfil do correntista, aplicáveis as Súmulas n.º 297 e 479, bem como a tese relativa ao tema repetitivo n.º 466, todas do STJ. A instituição financeira responderá por dano moral quando provada a violação de direito de natureza subjetiva ou de natureza imaterial”
A instituição financeira responde objetivamente, tendo reconhecido o caso como fortuito interno bancário, afastando-se a culpa exclusiva da vítima.
Vislumbra-se dos precedentes objeto do enunciado, que há falha na prestação do serviço quando a financeira facilita aos agentes criminosos os meios para se locupletarem, ou seja, não se atenta ao perfil de consumo do correntista, checando a regularidade das operações e bloqueando imediatamente suspeitas transações. Aliás, permite, de início, quebra do sigilo bancário com acesso indevido de terceiros ao número de telefone da vítima e dados internos.
Vínculo entre instituição bancária e a vítima é de consumo, nos termos da Súmula 297 do C. Superior Tribunal de Justiça, de forma que se trata de responsabilidade objetiva, como ali já pacificado através da edição da Sumula n.º 479. Não se faz necessário perquirir sobre culpa que o é intrínseca nesses casos.
O vazamento para terceiros de dados sensíveis da vítima, cuja guarda é dever da instituição, devendo fornecer segurança ao consumidor, torna presente a falha na prestação de serviço, se enquadrando também como risco do empreendimento. Danos morais têm sido fixados considerando a concorrência do banco para o sucesso da ação criminosa, características da vítima e gravidade da conduta.
Precisas são as palavras existentes no voto proferido pelo Des. Dr. Rel. Ramon Mateo Júnior nos autos da Apelação n.º 1002597-66.2021.8.26.0008, um dos precedentes objeto do enunciado supracitado, conforme abaixo parte deste:
“ [...] O fato de terceiros utilizarem-se do cartão dos autores para efetuar compras configura ilicitude que deflui em indenização por danos materiais e, digam-se, gastos que não estão relacionados ao perfil dos autores, compras que chegaram ao valor de R$13.363,82 (fl. 49).
É consabido que as instituições financeiras normalmente desenvolvem sistemas de segurança visando impedir a ocorrência de transações bancárias acima daquelas comumente realizadas por determinado cliente e esses sistemas configuram verdadeiras travas, que impedem que transações financeiras fora do perfil do consumidor sejam aprovadas sem que haja uma prévia verificação ou confirmação (denominado 'bloqueio preventivo de cartões'), descurando a instituição financeira no seu dever de segurança.
Restou incontroverso que as compras foram realizadas por ato fraudulento de terceiros, que lograram obter o cartão (plástico) junto aos titulares, mediante fraude comumente conhecida como “golpe do motoboy”, consistente em inicial ligação telefônica que se diz da instituição financeira dos correntistas a quem é noticiado suposto problemas com o cartão, informando aos mesmos para que realize a destruição do cartão e o entregue ao mensageiro (motoboy) que irá retirá-lo na residência, daí, os fraudadores de posse do “plástico”, recompõem o numeral e o número do código de segurança localizado no verso, de modo a possibilitar a utilização e realização de operações à distância, principalmente via internet.
Nessa linha, além da declaração de inexistência/inexigibilidade dos débitos decorrentes das transações impugnadas, impõe-se o reconhecimento sobre a ocorrência dos danos morais, pois intuitivo e mesmo evidente o desgaste psicológico sofrido em razão da situação vivida, a qual afeta a paz interior do indivíduo.
Notório o calvário que enfrentaram os autores para se livrar das consequências das compras e pagamentos fraudulentos, eliminadas a rigor tão somente após se socorrer ao Poder Judiciário, tendo buscando solução administrativa no banco e lavrado boletim de ocorrência junto à Delegacia de Polícia.
Veja-se que a doutrina e a jurisprudência têm admitido que a perda de tempo livre/útil por culpa do fornecedor de produtos e serviços é capaz de gerar dano ao consumidor, aplicando-se a teoria do desvio produtivo [...]
Induvidoso que a situação vivenciada nos autos retira a paz de espírito e compromete o direito legítimo ao sossego de qualquer cidadão. [...] Forçoso concluir que a falha em questão, aliada a cobrança indevida, causa intranquilidade que extrapola a esfera dos meros aborrecimentos justificando a imposição de sanção reparatória, inclusive para que requerido seja mais diligente em situações semelhantes[...]”
Observa-se da diretriz recomendada pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo que “ao agir como administrador de recursos de terceiros, a instituição bancária tomou para si a responsabilidade pelas transações indevidas, sujeitando-se à atividade de fraudadores e estelionatários, em razão de cuja ação espúria não foi capaz de evitar a ocorrência de prejuízo” (TJSP, APEL. Nº: 1001309-45.2021.8.26.0441, Dr. Des. Rel. Correia Lima), de forma que se considera um fortuito interno do qual não transfere o risco do negócio ao consumidor.
A tese traçada pelo Egrégio Tribunal de Justiça parece estar em harmonia com o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. Recentemente, por meio do julgamento realizado no REsp n.º 1995458 / SP, pub. 18/08/2022, a Ministra Nancy Andrighi, da E. Terceira Turma, em votação unânime, acabou por dar provimento ao recurso oposto pela vítima da fraude do golpe do motoboy, como abaixo se demonstra a ementa, grifos nossos:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE DÉBITO. CONSUMIDOR. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO DE CARTÃO E SENHA. DEVER DE SEGURANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
1. Ação declaratória de inexigibilidade de débito.
2. Recurso especial interposto em 16/08/2021. Concluso ao gabinete em 25/04/2022.
3. O propósito recursal consiste em perquirir se existe falha na prestação do serviço bancário quando o correntista é vítima do golpe do motoboy.
4. Ainda que produtos e serviços possam oferecer riscos, estes não podem ser excessivos ou potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor.
5. Se as transações contestadas forem feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes.
6. A jurisprudência deste STJ consigna que o fato de as compras terem sido realizadas no lapso existente entre o furto e a comunicação ao banco não afasta a responsabilidade da instituição financeira. Precedentes.
7. Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto. Precedentes.
8. A vulnerabilidade do sistema bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, incorre em falha da prestação de serviço.
9. Para a ocorrência do evento danoso, isto é, o êxito do estelionato, necessária concorrência de causas: (i) por parte do consumidor, ao fornecer o cartão magnético e a senha pessoal ao estelionatário, bem como (ii) por parte do banco, ao violar o seu dever de segurança por não criar mecanismos que obstem transações bancárias com aparência de ilegalidade por destoarem do perfil de compra do consumidor.
10. Na hipótese, contudo, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa, razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável.
11. Recurso especial provido.
Por oportuno, nas palavras da I. Ministra no v. acórdão supracitado o “surgimento de novas formas de relacionamento entre cliente e banco, em especial por meio de sistemas eletrônicos e pela internet, reafirmam os riscos inerentes às atividades bancárias. Imperioso, portanto, que instituições financeiras continuamente aprimorem seus sistemas de segurança, pois as modalidades de golpe são as mais diversas e inovam-se a cada dia”.
Ainda, que “é seu dever alertar os correntistas de forma eficaz sobre movimentações estranhas em sua conta, podendo até mesmo, por precaução, levar ao bloqueio do cartão até que se confirme a autenticidade das transações. Da mesma forma que, no mundo físico, os correntistas devem informar com antecedência quando irão sacar valores elevados no caixa do banco, também devem ser criadas medidas de segurança para garantir a licitude das transações.”
Explicita o acórdão supracitado que há risco da atividade e que em hipótese de golpes de engenharia social o nexo causal se dá quando poderia o banco ter evitado o dano sofrido pelo golpe se houvesse uma segurança efetiva para identificar tais transações a verificar o histórico do consumidor com relação a valores, frequência e modo. Aponta pela culpa concorrente e que esta não afasta a responsabilidade objetiva da instituição financeira.
Finalmente, em que pese clareza solar do entendimento acima narrado, recomenda-se máximo de cuidado e cautela possível antes de fornecer dados pessoais e o cartão bancário, a quem quer que seja, evitando-se o moroso e exaustivo processo de tentar resolver a questão e ressarcir o prejuízo instaurado, uma vez que o elemento boa-fé da vítima também poderá ser analisado.
Fonte: LEOPOLDO ELIZIÁRIO DOMINGUES
Todos os direitos reservados ao(s) autor(es) do artigo.
Largo Sete de Setembro, 34 - 12 Andar - CEP: 01.501-050 - Centro - São Paulo/SP
Fone: (11) 3106-8034